# I. Introdução presente artigo dispõe-se a problematizar a impossibilidade da concomitância do processo administrativo e judicial tributário disposto no art. 38, parágrafo único da Lei de Execuções Fiscais (LEF), reafirmado pelo STF e sutilmente mitigado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). A questão que se faz presente é se o artigo citado é incongruente com os elementos basilares e com a lógica intrínseca do Poder de Tributar. Em sua literalidade: Art. 38 -A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos. Parágrafo Único -A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto. (BRASIL, 1980) A exegese do dispositivo determina que o ingresso de ação judicial acarreta renúncia tácita do poder de recorrer administrativamente do lançamento. Sobre tal norma, em 16 de Agosto de 2007 foi julgado o RE 233.582/RJ de relatoria originária do Ministro Marco Aurélio. No caso em questão, a Comesa Comércio e Importação LTDA questionava a impossibilidade de processo administrativo sobre determinado lançamento que previamente a sua formação havia sido objeto de mandado de segurança preventivo para que não fosse compelida a pagar ICMS sobre a importação dos seus produtos. Denegada a ordem foi autuado e fez a impugnação que deu origem ao Processo Administrativo nº E-04/616.250/93. Nos debates, o Ministro Cezar Peluso enfatiza que não há interesse de agir no recurso administrativo, quando a mesma matéria está sendo apreciada pelo judiciário que decide definitivamente. Argumenta que sendo o mandado de segurança preventivo, após o lançamento torna-se repressivo automaticamente. Outros argumentos levados a decisão foram a economia processual, bem como que não haveria violação ao direito de petição, uma vez que a norma pressupõe a existência de processo administrativo em curso. O Ministro Marco Aurélio, por outro lado, entendia que tal restrição era inconstitucional por ferir a Ampla Defesa, vez que sendo esferas diferentes, há que se falar também em regências diferentes. Em suas palavras: "Não concebo, considerada a Constituição de 1988, um diploma hierarquicamente inferior que acabe por inibir o acionamento dessa mesma Carta. E essa lei inibe porque, havendo em curso um processo administrativo e o jurisdicionado ingressando em Juízo, ele terá como que tacitamente renunciado ao que pretendido no processo administrativo." (STF, 2007, online) Entretanto, o relator, juntamente com o Ministro Carlos Britto, foi voto vencido. Firmou-se, portanto, o entendimento de que é constitucional o art. 38, parágrafo único da LEF que determina que eventual ação judicial que tenha mesmo objeto que recurso administrativo enseja a desistência deste. Tal compreensão no âmbito administrativo já havia sido consolidado pelo CARF com acórdãos desde 2002, sendo em 2005 sumulado que importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial, parte esta em que a jurisprudência citada foi omissa, interpretando literalmente o parágrafo único do art. 38 da LEF que por si só não possibilita tal entendimento. Destarte, o Parecer Normativo Cosit nº 7/2014, vinculante para a administração pública determina que havendo desistência tácita, deve-se formalizar a decisão que constituirá crédito a ser cobrado. Percebe-se, portanto, consolidada a jurisprudência e a legislação, bem como a doutrina neste sentido enfática: O parágrafo em questão tem como pressuposto o princípio da jurisdição una, ou seja, que o ato administrativo pode ser controlado pelo Judiciário e que apenas a decisão deste é que se torna definitiva, com o trânsito em julgado, prevalecendo sobre eventual decisão administrativa que tenha sido tomada ou pudesse vir a ser tomada. Considerando que o contribuinte tem direito a se defender na esfera administrativa mas que a esfera Judicial prevalece sobre a administrativa, não faz sentido a sobreposição dos processos administrativo e judicial. A opção pela discussão judicial, antes do exaurimento da esfera administrativa, demonstra que o contribuinte desta abdicou, levando o seu caso diretamente ao Poder ao qual cabe dar a última palavra quanto à interpretação e à aplicação do Direito, o Judiciário. Entretanto, tal pressupõe identidade de objeto nas discussões administrativa e judicial. (PAULSEN et al, 2014, livro digital) Aceita-se irrefletidamente o que instrui o art. 38, parágrafo único da LEF, com base em conceitos que de tão óbvios não merecem ser discutidos, tal qual a natureza jurídica do processo judicial e administrativo. Neste ambiente, se faz a seguinte indagação: frente ao papel da administração em um Estado Democrático de Direito pode-se admitir a aceitação plena do artigo supracitado? Tal, problema denota a baixa profundidade da literatura processual tributária e o parco conhecimento de elementos propedêuticos como bem assevera James Marins (2018). Neste ínterim, para respaldar a tese final do presente se abordará: a) os traços distintivos do processo administrativo e judicial; b) do "Estado-juiz-de-sua-própria-causa" ao Estado de Ponderação; c) Objeto da ação como afirmação de direito. # II. Traços Distintivos do Processo Administrativo e do Processo Judicial O Direito tem por finalidade influenciar comportamentos. Direito, só o é se for cogente, vinculante, obrigatório. Neste ínterim, leciona a literatura que de uma forma linguística "[...] o direito positivo aparece como um plexo de proposições que se destinam a regular a conduta das pessoas, nas relações de inter-humanidade" (CARVALHO, 2017, p.36). A finalidade última da norma jurídica é a obediência. Neste sentido também pode-se afirmar que as locuções normativas "não descrevem como factualmente o sujeito agente se comporta, mas como deve comportar-se" (VILANOVA, 2005, p.33). Entretanto, a mera palavra fria não tem o condão de alterar o mundo dos fatos. Se porventura escrever em um papel "isto é uma figueira" e colocá-lo em uma macieira, a mesma continuará dando maçãs. A norma possui um trabalho do campo abstrato para sua concretização. Lourival Villanova (2000, p. 190) menciona que o as normas jurídicas primárias, enquanto prescrições reguladoras de condutas demandam a necessidade de normas secundárias para fazer incidir concretamente no mundo dos fatos enquanto autoridade quando houver violação daquelas. Dá-se o nome de "bimembridade" das normas a este fenômeno. Com brilhantismo, ensina J.J Calmon de Passos que "A relação entre o processo de produção do Direito e o Direito produzido, seja como enunciado, seja como decisão [...] não é de caráter instrumentar, meio-fim, sim de natureza substancial, integrativa" e prossegue dizendo que " O Direito é o que dele faz o processo de sua produção [...] nunca é algo dado, pronto, preestabelecido ou pré-produzido, cuja aplicação é possível, mediante simples utilização de determinadas técnicas e instrumentos, com segura previsão das consequências" (PASSOS, 2000 p.69). A partir do que foi dito, percebe-se que só há que se falar em norma efetivamente, depois de sua concretização. Esta concretização é o próprio processo de criação do significado dos textos normativos que compõe a norma. Torna-se, portanto, o processo elemento vital para a existência do Direito. O direito à saúde só é tangível quando a administração pública realiza o processo de regulação assistencial, de avaliação e controle orçamentário, de compras de insumos e medicamentos, etc. O direito à propriedade só se faz valer, quando violado, a partir do momento em que há determinação judicial que o garanta, desde que reste comprovado: a) A titularidade do direito à propriedade; b) A respectiva lesão. O subsistema do Direito Processual Tributário divide-se principalmente em processo tributário administrativo e processo judicial. No primeiro, o principal objeto é a fiscalização e cobrança de créditos tributários regulados pelo decreto 70.235/72, entretanto não se limita a este, havendo outros como a consulta (lei 9.340/2011), os parcelamentos em suas diversas modalidades, etc. No segundo, há preponderância no sistema de execuções fiscais e o processo civil hodierno. Ambos são formas de concretização de Direito, entretanto possuem natureza jurídica diferente, o que é vital para o presente estudo. Cada um destes processos tem uma finalidade própria e uma forma de fazer ingressar no mundo dos fatos as prescrições normativas. Entretanto, o processo como forma de exercício do Poder de Tributar, não tem sido objeto de estudo tão seriamente quanto deveria. Como assevera a doutrina "Por ser tido como pedregoso, sedimentouse o Processo Tributário através dos tempos como campo propício ao gérmen do arbítrio." (MARINS, 2018, p. 13). A observância do Processo administrativo enquanto Poder de Tributar é de suma importância. Com o advento das Constituições modernas foi regulado e limitado o ato de instituir e cobrar tributos o que preteritamente fora ligado com abusos, coerção e confisco. Tais limitações e regulamentações não possuem data tão remota, como pode-se observar na doutrina pátria, "Em tempos recuados e até bem pouco -há cerca de três séculos apenas -o jus tributandi e o jus puniendi eram atributos do poder sem peias dos governantes. Muito poder e abuso e pouca justiça. De lá para cá, o poder foi sendo limitado." (COÊLHO, 2012). O processo administrativo tributário, como se verá, é a justificação do jus tributandi que livra o contribuinte do arbítrio do Estado vivenciado preteritamente na história. O lançamento é um ato administrativo que declara uma situação de fato preexistente ao mesmo e constitui um crédito (CASSONE, et al., 2006, p.6). É através deste ato administrativo, vinculado a legalidade, a verdade material e as suas finalidades, que o Estado, segundo Hensel (apud ATALIBA 2016, p.67), providencia a execução efetiva de sua pretensão. Podese dizer que o lançamento é o suporte material que insere no mundo jurídico a pretensão ao crédito tributário, até então ilíquido. Entretanto, este por si só não tem a capacidade de encerrar a pretensão imediatamente, sendo mero gérmen de uma relação jurídica. Neste ínterim, é bastante coerente a conceituação dada por Hugo de Brito Machado Segundo (2017, livro digital) de que àquilo que o Código Tributário Nacional chama de lançamento, é apenas um ato preparatório que pode ser impugnado para o controle da legalidade. Só há que se falar, para o autor, em efetivo lançamento, após o fim da impugnação ou a partir da não-impugnação. Realmente, o lançamento tributário é, a rigor, um ato administrativo. Entretanto, esse ato é sempre praticado ao cabo de um procedimento preparatório, que pode ter complexidade e extensão maior ou menor. Pode o referido ato, eventualmente, ser ainda sucedido por um processo administrativo de controle de sua legalidade, processo este chamado por alguns doutrinadores como fase contenciosa do lançamento. Em vista disso, parece-nos que podemos empregar a expressão lançamento de modo mais rigoroso, a significar apenas o ato administrativo de constituição do crédito tributário; ou de modo mais amplo, a englobar, também, o mero procedimento que antecede a prática desse ato, ou, com extensão ainda maior, o processo administrativo de controle de sua legalidade. (MACHADO SEGUNDO,2017, livro digital.). O art. 14 do decreto 70.235/72 diz que a impugnação faz nascer a fase contenciosa do processo, uma vez que demonstra a não concordância com o ato administrativo. Muito embora a impugnação ao lançamento seja manifestação de resistência a formação de uma pretensão de direito, não há que se falar em jurisdição. O que há é um mero controle de legalidade do ato administrativo que, se fosse o Estado um ente privado, substituiria o processo administrativo a mera negociação direta a respeito dos fatos e direito. O Processo Administrativo Tributário é "[...] compreensivo das questões concernentes ao modo da atuação do Estado a consecução de seus objetivos tributários, sua estrutura jurídica idônea e sistemas preventivo para que a atividade administrativa mantenha dentro dos limites legais, bem como o modo de ressarcimento diante da tributação ilícita" (MARINS, 2018, p.41). Ou seja, trata-se de forma para apurar a legalidade do exercício do Poder de Tributar pela própria administração pública. No mesmo sentido, é possível afirmar que é sua função transformar o tributo legislativamente previsto em tributo efetivamente pago (VILLEGAS, 2001, p. 325) A Jurisdição Estatal, segundo a doutrina Brasileira é, doutro modo, o poder-dever do Estado de dizer o Direito pondo fim a uma situação litigiosa, de forma definitiva, tendo por base o sistema jurídico posto por uma autoridade competente, válido, vigente e eficaz. Noutras palavras: "[...] jurisdição é a função do Estado de declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida. Esclareça-se que, na concepção atual de jurisdição, quando se cogita da realização da "vontade da lei" não se refere à simples reprodução da literalidade de algum enunciado legal, mas à implementação da norma jurídica, na qual se traduz o direito do caso concreto, cuja formulação pelo julgador haverá de levar sempre em conta a superioridade hierárquica das garantias constitucionais bem como a visão sistemática do ordenamento jurídico, os seus princípios gerais e os valores políticos e sociais que lhe são caros."(THEODORO JÚNIOR, 2015, livro digital) Entretanto, é bem mais condizente com a atuação moderna da jurisdição, o conceito de que consiste a mesma no ato de criar, modificar e excluir normas jurídicas de maneira pontual e justificada (PFSERMAN, 2015). Assim sendo, o processo judicial, diferentemente do processo administrativo é o meio pelo qual o Estado, concretiza o Direito, enquanto o processo administrativo é o controle da legalidade do ato que inaugura uma pretensão. É neste ambiente que se torna mister a observação feita de que: "Dessa forma, o processo jurisdicional propicia ao contribuinte equiparar-se ao Estado, dando-lhe os instrumentos necessários ao afastamento da presunção de legitimidade dos atos de imposição tributários que, eventualmente, tenham sido praticados à margem dos limites constitucionais e legais prescritos pelo sistema tributário nacional."(PRIA, 2010 p. 124) O processo judicial tributário que se aborda tem o fito de desconstruir relações jurídico-tributárias que exorbitam a competência e capacidade tributária ativa. Nele, não mais o Fisco julga seus próprios atos, mas o Estado-Juiz firmará seu convencimento de acordo com os fatos e provas colacionados aos autos. Dito isto, vislumbra-se uma diferença substancial entre ambos, cada qual com sua esfera de abrangência e finalidades próprias. Feita essa diferenciação essencial, adentrar-seá mais profundamente no processo administrativo fiscal, sugerindo uma mudança de paradigma relevante para o trabalho que é do "Estado-juiz-de-sua-própriacausa" para o Estado de Ponderação. III. Do "Estado-Juiz-de-sua-Própria-Causa" ao Estado de Ponderação A relação jurídico-tributária diferencia-se da de outros ramos do Direito. Tal particularidade não endossa autonomia científica em si, mas autonomia meramente didática. Surge consigo a necessidade de um nível de racionalidade diferenciado de acordo com suas questões distintivas a partir de princípios gerais próprios e modo de operacionalizar tal técnica. A obrigação pecuniária devida ao Estado pressupõe obrigações concêntricas que gravitam sobre a obrigação principal, sendo obrigações de fazer, de não fazer e de permitir (MARINS, 2018). Segundo VILLEGAS(2001, p. 245) o Direito Tributário Material prevê substâncias essenciais da relação jurídica a ser desvelada posteriormente pelo Direito Tributário Formal. Este, por sua vez, tem por finalidade, como já dito, estabelecer a dinâmica do poder de tributar até então estático, quantificando-o e dando a ele fora real e tangível. Pode-se facilmente afirmar, portanto, que as obrigações concêntricas supracitadas, mediante ato administrativo competente são condições necessárias para o nascimento do tributo, o que gera obrigações mútuas ao contribuinte e ao Fisco. Conceitua a doutrina brasileira de Direito Administrativo: "de fato, a ideia do processo reflete função dinâmica, em que os atos e os comportamentos de seus integrantes se apresentam em sequência ordenada com sentido teleológico, vale dizer, perseguindo o objetivo a que se destina o processo." (CARVALHO FILHO, 2015, p.1005). Neste ínterim é importante entender que o processo administrativo tem o condão de formalizar uma relação jurídica obrigacional, entretanto, peca ao dizer que a finalidade do mesmo é atingir a vontade final da Administração (CARVALHO FILHO, 2015, p. 1008). Exatamente no mesmo sentido é a posição de Celso Antônio Bandeira de Melo (2009, p. 681). Neta esteira, adverte também a doutrina administrativista de que "[...] a Administração que, quando decide, não age como terceiro, estranho à controvérsia, mas como parte que atua no próprio interesse e nos limites que lhe são impostos por lei [...]" (DI PIETRO, 2018, livro digital). Ora, em um Estado Democrático de Direito, não se pode mais admitir a ideia de um Estado-Juiz-desua-própria-causa como chama tal fenômeno MARINS (2018), ou seja, aquele que além de dizer o Direito, possui interesses particulares sobre o conteúdo dito. Tais doutrinas, ainda fincadas sobre a égide do suposto princípio da supremacia do interesse público e de sua indisponibilidade não merecem prosperar, neste sentido. Não se deixa de reconhecer a importância de tais clássicos por isso. Em um contexto contemporâneo, parece mais condizente com o papel da Administração Pública em uma democracia é o conceito de que: Se num primeiro momento o processo administrativo significava meio de observância dos requisitos de legalidade do ato administrativo e garantia de respeito dos direitos dos indivíduos, seus objetivos foram se ampliando à medida que se alteravam as funções do Estado e da Administração, as relações entre Estado e sociedade e as próprias concepções do direito administrativo. Extrapolou-se o perfil do processo administrativo ligado somente à dimensão do ato administrativo em si, para chegar à legitimação do poder. (MEDAUAR, 2018, p. 161) A Administração Pública não existe por si e para si. Deve tutelar também o interesse dos administrados, sendo este também seu interesse. Há então a necessidade de uma mudança de paradigma do "Estado -Juizdesuaprópriacausa", para o Estado de Ponderação, expressão utilizada por Gustavo Binebojm (2015), superando o modelo adversarial Administração x Administrado e também a ideia de que a administração seja juiz se suas próprias vontades dentro do processo administrativo. "O interesse privado e o interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins. Elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado (p. ex. preâmbulo e direitos fundamentais) .'' (ÁVILLA, apud BINENBOJIM, 2014) Torna-se mais urgente ainda a mudança de paradigma no cenário atual em que por deficiências de técnicas do Poder Judiciário para solucionar conflitos tributários, os órgãos administrativos, que deveriam ser coadjuvantes no contencioso tributário, tornam-se protagonistas. (ROCHA, 2017, p.55). Nesta esteira, fazse relevante a advertência de que: Então, conquanto se pretenda edificar o Direito Tributário de modo a que este se apresente -no plano da incidência tributária, do direito tributário materialimune aos influxos de poder, semelhante esforço pode não se mostrar suficiente se se permite a contaminação pelo arbítrio na órbita de atuação tributária (Direito Tributário formal e seu momento de crise, o Direito Processual Tributário). (MARINS, 2018, p.15) Não se percebe no Direito Processual Tributário (Direito Tributário Formal em Villegas, Direito Tributário Administrativo em Hensel), o mesmo cuidado que se dá ao Direito Material em relação a justificação de critérios com base nos princípios da capacidade contributiva, do não-confisco, etc. Vê-se muitos equívocos que ferem frontalmente a constituição, tais quais as multas exorbitantes, a questão do voto de qualidade da Fazenda e , como no caso do estudo em voga, a desistência automática do recurso administrativo com o ingresso do processo judicial. No caso em que se presume como função da jurisdição administrativa resolver uma situação litigiosa, como no processo judicial, dando fim a uma pretensão resistida haveria respaldo inequívoco de que o processo judicial é a desistência do recurso administrativo. Entretanto, o que se percebe é que o recurso administrativo não se embasa meramente em vontades controvertidas. É o meio pelo qual torna-se legítimo o poder, uma vez que justificado e atuante na forma e nos limites da lei. O processo administrativo tributário leva a última instância a ideia do no taxationwhitoutrepresentation 1 , uma vez que além de haver constituição democrática da legislação tributáriavisto de um ponto de vista meramente ideal -, também é possível haver participação do cidadão na construção real daquele tributo -visto também de uma perspectiva ideal. Neste sentido, defende-se incisivamente que: a)o Processo Administrativo Tributário é substancialmente diferente do processo judicial; b) os regimes são diferentes e suas finalidades também. Só há que se falar em verdadeiro litígio após o processo administrativo. Antes disso, há mero controle da legalidade do ato de forma participativa. Retoma-se então a questão: o processo judicial sempre vai acarretar desistência do processo administrativo? No caso supracitado o STF entendeu que sim, inclusive em ações anteriores ao lançamento. O entendimento do CARF também inclui as ações anteriores ao lançamento, entretanto, permite a apreciação de elementos não levados à esfera judicial. O entendimento administrativo é mais correto e vantajoso que o judicial, entretanto não é o ideal. Ora, uma ação preventiva a um lançamento julgado improcedente, nulifica a possibilidade de corrigir administrativamente o lançamento equivocado? Tal ato consiste em supressão ao direito de contraditório e ampla defesa permitindo ainda que na administração haja à margem da legalidade. Neste sentido, defende-se em suma que não pode ser dado interpretação literal ao art. 38, parágrafo único da LEF, que deve ser mitigado diante da natureza do processo administrativo, bem como os limites desta decisão. # IV. Objeto da Ação Como Afirmação de Direito "A litis é, pois, um desacordo. Elemento essencial do desacordo ou um conflito de interesses: se se satisfaz um interesse de uma pessoa fica sem satisfazer o interesse de outra, e vice-versa. Sobre este elemento substancial implanta-se um elemento formal, que consiste em um comportamento correlativo dos dois interessados: um deles exige que tolere o outro a satisfação de seu interesse, e a essa exigência se dá o nome de pretensão; mas o outro, em vez de tolerá-la, se opõe." (CARNELUTTI, 2015, livro digital) Na esteira deste ensinamento, assevera também J.J Calmon Passos (2000, p. 27) que se não existisse conflitos não haveria razão de ser para o processo. Ora, se a mera existência de uma enunciação de Direito por um dispositivo normativo é capaz de Como dito anteriormente, o Direito Processual na esfera judicial tem por base uma lide, ou seja, a satisfação de uma pretensão resistida. Nos clássicos ensinamentos de Carnelutti isso se dá porque o "o direito nasce para que a guerra morra" (CARNELUTTI, 2015, livro digital). O processo judicial, então, tem o fito de satisfazer um conflito no mundo dos fatos em prol de um bem da vida: gerar pacificação social, não faz sentido o trabalho de concretização do mesmo. Se inexistissem conflitos na sociedade, o Direito seria de todo descartável. Fosse a solução dos conflitos deixada sempre a cargo dos próprios protagonistas, também seria dispensável. O direito se faz necessário, conatural, mesmo, a toda sociedade humana, porque determinados conflitos que nela se instauram não podem ser resolvidos proveitosamente sem que isso se dê mediante uma solução institucionalizada, para o que se retira dos contedores o poder de compô-los unilateralmente. (PASSOS 2000, p.28). No que tange ao Direito Tributário, só há que se falar em conflito, ou litígio, após a Administração Fazendária, encerrar sua certeza da legalidade do ato tributário através de processo administrativo fiscal. Entretanto, o encerramento da certeza da Administração Fazendária não tem o fito de satisfazer por si só sua pretensão, se for resistida judicialmente. Só há pretensão onde há efetivo lançamento. O processo judicial, portanto, tem o fito de harmonizar duas pretensões de direito igualmente legítimas: a) A pretensão do Estado de arrecadar tributos para cumprir sua função essencial; b) A pretensão do contribuinte de não ver sua propriedade sendo expropriada para além dos limites legais e de sua capacidade. Tal pretensão é levada a juízo para apreciação formado por um objeto litigioso e objeto material do processo. Com especial clareza ensina a doutrina que: O objeto do processo é conjunto do qual o objeto litigioso do processo é elemento: esse é uma parcela daquele. Enquanto o objeto do processo abrange a totalidade das questões postas sob a apreciação judicial, o objeto litigioso do processo cinge-se a um único tipo de questão, a questão principal, o mérito da causa. (DIDDIER JR. Et al. 2015, p. 65) Tal objeto litigioso (mérito) é para o autor supracitado, o conjunto de afirmações de existência de um direito (DIDDIER JR. 2015, p. 67). O Objeto litigioso, para o processo civil, é definido pelo seu ato inaugural, podendo ser ampliado a partir da alegação de um contra-direito. Entende, acertadamente, que a ideia de objeto litigioso como mera junção de pedido e causa de pedir é reducionista ao fenômeno jurídicoprocessual. De fato, se assim fosse, no Direito Processual Tributário o contribuinte estaria ainda mais vulnerável, vez que como ensina Carnelutti (apud MARINS, 2018), o processo tributário possui determinada peculiaridade: começa pelo processo de execução -pelo fisco-e parte-se posteriormente para a cognição. Assim, sendo seria resumido o litígio a pretensão estatal, via de regra. Destarte, considera-se objeto de um litígio a afirmação de um direito diante de um fato concreto. No caso do nosso Direito Positivo, há a possibilidade de ações meramente declaratórias, ainda que haja violação no art. 20 do Código de Processo Civil, hipótese na qual pode não haver litígio, mas ainda assim há um objeto: uma afirmação de Direito. Na relação jurídico-tributária, essa afirmação de direito possui complexidade ímpar. Isso porque, um único comando (obrigação pecuniária) possui uma série de obrigações acessórias para sua constituição, como já dito quando tratada a parte do Direito Tributário Formal,além de possuis vários critérios (segundo Paulo de Barros Carvalho) ou aspectos (segundo Geraldo Ataliba) materiais constitutivos da relação obrigacional. Para que se constitua efetivamente uma obrigação jurídico-tributária há necessidade de que esteja delimitado: a) o critério material, ou seja, a realização do fato imponível; b) temporal, quando se paga; c) espacial, onde se paga; d) o critério pessoal, ou seja, quem paga e a quem paga; e) quantitativo, qual a alíquota e qual a base de cálculo. (CARVALHO, 2017 p. 257). A relação jurídico-tributária depende que esteja previsto legalmente todos os critérios mencionados, bem como que este seja realizado com o fato imponível. Como ensina ATALIBA (2016), são como partes de uma esfera metálica, que muito embora indivisível, é composta por partes (dois semicírculos, por exemplo) e características (densidade, brilho, etc). Neste ínterim, a constituição de um vínculo obrigacional observa o aporte fático relevante para a constituição de uma obrigação líquida e certa para ser exigida. Por tais razões, critica-se imensamente a ideia de que o fato gerador, ou seja, a realização do ato material que gere a incidência de uma norma, faça nascer a obrigação por si só. Soa mal, portanto, quando declara o legislador, ingenuamente, que a obrigação nasce com a realização do fato gerador, mas o crédito tributário se constitui pelo lançamento. Seria o momento de indagar: que obrigação é essa que desabrocha no mundo jurídico, sem que haja, para o sujeito pretensor, o direito subjetivo de exigir a prestação? E que liame obrigacional será esse, em que o sujeito passivo não está compelido a prestar o objeto? (CARVALHO, 2017, p. 314) Assim sendo, reafirma-se o que já foi dito por diversas vezes, o lançamento faz nascer a pretensão de direito. Dele decorre o reconhecimento que declara o acontecimento fato gerador e constitui um crédito líquido. Ora, a constituição de tal crédito, além de pressupor uma série de obrigações formais como guardar livros fiscais e fornecer declarações, também depende materialmente de que a norma tenha definido quem paga, a quem pagar, quanto, quando e onde. São relativamente independentes entre si tais critérios. Por isso, afirma-se incisivamente que a alteração de qualquer um destes elementos, que compõem a unidade sintética da regra matriz de incidência de um tributo, ou seja, a própria criação do vínculo obrigacional, tem o fito de alterar a relação jurídico-tributário estabelecida. Deste modo, se eventualmente um contribuinte levar a juízo questionamento quanto ao critério temporal, para fazer cessar multa por mora, torna-se incoerente que isso acarrete desistência no plano administrativo de um recurso em que se questiona a alíquota aplicada, tratando do critério quantitativo. Há, portanto, disparidade de objetos, ou seja, afirmações de Direito. V. # Conclusão Pelo que foi exposto é possível observar algumas ressalvas a literalidade do art. 38, parágrafo único da LEF. Uma vez admitida sua eficácia plena e irrestrita estará admitindo um modelo de Administração Pública que não se preocupa com a verdade real, nem com sua finalidade essencial, agindo à margem da legalidade desta forma. Como fora oportunamente mencionado, o entendimento do STF sobre o tema, consolidado em 2007, não faz nenhuma ressalva a amplitude do alcance normativo do dispositivo. Muito embora, seja razoável e admissível a não-concomitância de processos com mesmo objeto no contexto administrativo e judicial, existe a necessidade de cautela para não haver margem para vilipendio das garantias do contribuinte, principalmente quando se fala de ações preventivas, ou seja, anteriores ao lançamento. O entendimento do CARF, embora mais benéfico, não alcança a complexidade dos institutos jurídicos, bem como prevê a possibilidade de cobrança imediatamente após a decisão que reconhece a desistência tácita, algo que não é admissível em nenhum outro subsistema jurídico: a execução de forçada de uma pretensão havendo ainda dúvida sobre o direito. Por todo o exposto até o momento, o presente artigo leva às seguintes conclusões: I) Quando a ação for preventiva, a impugnação ao lançamento deve observar os efeitos da coisa julgada, não impedindo a verificação de fato novo ou de questão não suscitada do processo prévio pelo dever de controle de legalidade da administração pública; II) Não se pode suprimir o direito de defesa do contribuinte quando não houver identidade afirmações de direito; III) por força do art. 26-A do decreto 70.235/72, o questionamento de constitucionalidade da exigência de determinado tributo não pode acarretar desistência de processo administrativo. O presente artigo, não tem o condão e nem a pretensão de esgotar o tema em sua totalidade. O mesmo trata-se da instigação ao debate de elementos propedêuticos, pouco observado pela jurisprudência e pela doutrina. Apenas com o esforço científico para traças elementos básicos para o Direito Processual Tributário haverá possibilidade de que o mesmo passe a observar melhor as garantias do contribuinte e sua condição de exercício do Poder de Tributar. © 2020 Global Journals ( )G © 2020 Global JournalsThe Mitigation of the Impossibility Concomitance of the Administrative and Judicial Tax Process Em tradução livre: nenhuma tributação sem representação. A frase foi marca daresistência fiscal Norte Americana do final do século XVIII, entretanto tal frase refere-se a Carta Magna de 1215 onde nasce o gérmen do sistema fiscal contemporâneo (OLIVEIRA, 2010). © 2020 Global JournalsThe Mitigation of the Impossibility Concomitance of the Administrative and Judicial Tax Process * Hipótese de Incidência Tributária GeraldoAtaliba 2016 Malheiros São Paulo * Uma Teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização GustavoBinebojm 2014 Rio de Janeiro, Renovar * Lei 6. 830, 22 de setembro de 1998 Brasil 1980 Brasília, DF, setembro de Lei de Execuções Fiscais * Como se faz um processo. São Paulo: Editora Pillares FrancescoCarnelutti 2015 * Manual de Direito Administrativo Carvalho Filho SantosJosé Dos 2015 São Paulo, Atlas * Cassone ;Vittorio JúlioRossi ;Cesar MariaEugeniaCassone Teixeira Processo Tributário. Teoria e Prática: São Paulo esso Tributário. 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